Faleceu em São Paulo, a cantora, profesora de canto, geógrafa e metereologista Heloísa Castellar Petri.
Ontem, após despertar-me pela manhã e seguir com a rotina diária, me atualizei das coisas que estão passando no mundo ao ligar o celular e, fui sorpreendida, por uma delas. Uma notícia que me tocou profundamente: a do falecimento de Heloísa Castellar Petri, a Lolô.
Tinha entre 22 ou 23 anos quando a conheci. Eu cantava no Madrigal Ars Viva, já há uns 4 anos. Já havia ouvido falar muito dela. Alguns colegas do coro a conheciam, desde a sua passagem pelo Ars Viva nos anos 1970, portanto, muito antes de minha participação por lá.
Agora mesmo, não me lembro a primeira vez que a vi e ouvi seu cantar. Entretantanto, recordo bem da impressão que deixou em mim…aprodundando ainda mais o apreço tão genuíno que só a beleza, pode apresentar, atravessar, para usar uma palavra que está na moda, e exprimir em palavras esses momentos de conexão que a música promove.
A força e doçura de sua voz, me envolveu, acolheu e me fez ter uma intensa percepção de um repertório que de certa forma, já havia entrado na minha vida, desde os 15 anos , quando passei a cantar em coral.
Lolô cantava desde criança. Ela integrou o projeto coro orfeônico, e conta de ter cantado sob a regência de Villa Lobos.
Há uma passagem que ela conta de maneira tão bonita: quando o Klaus Dieter Wolf, com o Coro de Câmara de São Paulo foi ensaiar na casa dela…e desde então, ela cantou em coros além de cantar em distintas formações e fazer muitos sólos.
Heloísa C. Petri (na Mesa redonda “A presença de Klaus Dieter-Wolf)
“O canto coral direcionou minha vida…
Tudo que eu fiz esteve ligado ao canto coral. É uma coisa tão necessária na vida. O canto coral é escola da vida.”
Me emocionei muito ao assistir e rever essa Mesa Redonda, feita durante a pandemia, em que ela deu esse depoimento (acima transcrito, somente um pequeno trecho). Hoje, essas palavras me fazem relembrar a importância do canto na minha vida, a primeira vezbque vi um coral, a minha origem cantando em coro, minhas escolhas, a forma de com a qual eu vejo a música, sobretudo a música brasileira.
No Madrigal Ars Viva, essa conexão se verticalizou, devido a história e papel da Sociedade Ars Viva, em Santos (coral fundado em 1961, por Klaus Dieter-Wolf, Gilberto Mendes dentre outros) e esse é o ponto convergente de nossos caminhos. Embora eu tenha entrado no Ars Viva em 1993, quase 20 anos depois da participação da Lolô, por lá. Mas, ela sempre estava presente: em visitas, como cantora convidada para sólos, enfim, permaneceu de a forma muito especial.
A Lolô, cantou no Ars Viva ainda sob a Regência do Klaus, ela o havia conhecido muito jovem, em São Paulo. Na verdade, após conhecer-lo ela o perguntou como fazia para integrar o Coro de Câmara de São Paulo. E assim, começou uma história de dedicação à musica coral e amizade entre eles. Posteriormente, ela também cantou no Ars Viva.
De qualquer forma, ela fez parte de um importante momento desse processo de construção de uma estética musical brasileira, que adotou o coral como formato ou laboratório. Me lembro bem de falas do Gilberto Mendes, dizendo que era uma forma eficaz de difundir essa música, já que naquele momento, poquísimos ou nenhuma grupo de câmara ou orquestra brasileira queria tocar aquele tipo de música.
E a Lolô, esteve muito presente em vários momentos importantes, dessa trajetória, seja como cantora do Madrigal, durante alguns anos ou, posteriormente, como convidada. Ela era querida e sua bela voz, muita apreciada e requisitada. Assim foi, quando da gravação do CD Música Nova para Vozes, em 1998.
Posso dizer que foi muito gratificante não somente gravar esse disco como igualmente ter a Lolô ali conosco. Em 1998, quando nos preparávamos para a gravação do CD Música Nova para Vozes, lá estava ela, encantando com sua voz e presença tão luminosa e acolhedora. Sua risada linda e sorriso franco, aberto…aplacando a tensão por estar gravando um CD, que foi tão cuidado e representa outro marco na música contemporânea brasileira (O primeiro disco, na década de 1970 também foi muito importante).
Aqui, faço um destaque às faixas nas quais Lolô participou com destaque. A faixa 5 – “Poeminha, poemeu, poesseu poessua da flor”, de Gilberto Mendes com texto/poema de Décio Pignatari, temos a voz da Lolô: precisa e brilhante. Acompanhada do violão de Ulysses Mansur, que desenha um caminho entre sons e silencios que se encontram e distanciam….
A passagem da voz ao bocca chiusa é de uma precisão impar.
E a belíssima “No belo erídano azul”, peça de Gil Nuno Vaz, encontro de duas cantoras, duas vozes muito especiais: Lolô e Keila Moraes. Amigas, colegas de Coro (o Coral Paulistano). Essa obra tem texto, música e uma atmosfera tão forte e um lirismo que nos deixa extasiados.
E ter tido a oportunidade de compartilhar da presença de Heloísa Castellar Petri, durante esse trabalho, e específicamente nessas duas faixas, que estão eternizadas e me fazem ter uma dimensão ainda mais ampliada, do lugar onde eu estive, e tanto recebi em aprendizado, alegrias, amizades e encontros. Onde doei meu tempo e dedicação e recebi tanto. As amizades que fiz…As pessoas com as quais estive e do quanto isso me formou e continua presente, deixando uma indelével marca no que diz respeito a estética musical, as escolhas e os caminhos que apontaram a uma visão de mundo em si mesma.
Agradeço de coração por sua passagem no meu caminho, Lolô. Pelas aulas de canto divertidas e cheias de referências que naquele momento, plantaram sementes para todo um caminho que continuo trilhando.
Festa no céu! Luz no seu caminho, sempre! ♡